o sr caolho VIII
O espectáculo
Uma interrogação do mundo que ainda não conhecemos, através de um imaginário infantil, onde os adultos também se sentem em casa. Através da descoberta sensível e atenta dos gestos do quotidiano, desvenda-se a infinita certeza que reina na mais pequena decisão.
As “perplexibilidades” do mundo não são só um nome esquisito, são descobertas e certezas do Senhor Valéry, e pontos de abordagem de uma lógica, tão lógica que até pode paralisar o mundo… S.F.
Repetição e variação
Ao confrontarmos esta obra de Gonçalo M. Tavares com a sua transposição cénica surgiram diversas questões, sobretudo em relação à articulação de uma série de micro-histórias, unidas por uma personagem, mas completas em si próprias. Importava abri-las a uma continuidade do seu imaginário e da sua lógica de organização do mundo, evitando a encenação de um somatório sem expressão da personagem.
A chave dramatúrgica foi encontrada na ideia de “dia”: um dia na vida do Senhor Valéry. Mas o Senhor Valéry é uma personagem obsessiva, apolínea, tomada pela cegueira da lógica. Paradoxalmente, essa cegueira é o que permite uma nova visão do mundo, uma projecção na vida que recua constantemente ao ponto em que se organiza, onde se aprende, como na infância. Uma forte rotina evidenciava-se como a mais apropriada forma de organização da sua vida.
Todos os seus dias são (quase) iguais. Daí que, de um dia na vida do Senhor Valéry, tenhamos chegado à ideia de vários dias, mas sendo (quase) sempre o mesmo. Assim, na base de adaptação dos textos está a criação de uma continuidade das histórias na forma da rotina de um dia.
Mas esta continuidade é constantemente interrompida por problemas. Questões menores são impulsionadas pela deriva lógica e tornam-se problemas existenciais. A vida é interrompida até que o problema seja solucionado. O dia acaba ali. E, assim, será preciso recomeçar no dia seguinte, ultrapassando o problema do dia anterior até encontrar um novo problema. Como um jogo com níveis. E é em cada dia que a repetição descobre a sua mínima variação. P.M.
O Senhor Valéry Valéry Valéry
A primeira imagem que surgiu – e que serviu de referência de forma mais abrangente a todo o imaginário deste Senhor – foram as figuras masculinas de Magritte, depois também o Senhor Teste de Paul Valéry, ou o Senhor Hulot de Jacques Tati. A partir daí - e de alguns dos textos que sugerem esta tripartição - surgiu a questão: quantos Senhores Valéry? A solução encontrada foi a de multiplicar o Senhor Valéry por três corpos. Com um actor seria um monólogo; com dois, um diálogo onde facilmente se deslizava para leituras dicotómicas; três seria o princípio de variação. A mesma personagem, as mesmas acções e gestos, repetida e multiplicada por três actores encontra diversos caminhos de variação.
Nesse sentido, o esquema de três actores responde a três ideias: a aplicação do esquema dramatúrgico a um corpo coral de repetição e variação; a transposição da demonstração – que na edição em papel é efectivada pelo desenho – e que em espectáculos se transforma em gesto, acção, expressão física, manipulação de objectos; o estatuto da voz e da narração, uma vez que a escrita de um texto de cena irá seleccionar os fragmentos necessários à comprensão dos problemas lógicos e existenciais do Senhor Valéry. Deste modo, a voz pode ser integrada no interior do espaço cénico, pelos actores, por três vozes, que ora falam em discurso directo, ora indirecto.
O Senhor Valéry torna-se um espectáculo com três actores, espelhos uns dos outros, que ora demonstram o problema, ora contam a história, num teatro do gesto e do aforismo. P.M.
A oficina
Era difícil fazer um projecto de respostas sem espaço para as crianças fazerem as suas perguntas. A oficina é um espaço, não de visualização, mas de construção, onde as crianças podem visitar este universo, entendê-lo pelo interior e fazer prosseguir a sua lógica.
Aqui descobre-se que personagem é esta, identificam-se pormenores que já estão na nossa memória e exploramos o riso, o andar, o sentar e o olhar do Senhor Valéry. Descobrimos também de que objectos pode gostar e criamos outros a pensar como ele, destruindo a lógica habitual e revelando outras que, pensando bem, não são menos ilógicas… S.F.
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